segunda-feira, 23 de junho de 2008

Pelo azulão (Imirim-Pinheiros)

Eu tenho mãos com unhas vermelhas e os pés enfiados em havaianas pretas. Lá fora deve fazer uns 11 graus. O céu está alaranjado como em tantas noites. Na TV risadas que há pouco me entretiam.

Frio.

É como se trava uma conversa no ponto de ônibus.

_ Eu que o diga, quando saí de casa tava era congelando. Essa chuvinha mata. Você sabe se aqui passa algum que passa na Nove de Julho? - diz a mulher que cerca por todos os lados um menino com curativo sobre o olho esquerdo.

Aqui não. Pra ir até a Nove de Julho tem quer ser a pé. Mas dá pra pegar um que passa ali na Rui Barbosa, aí é só descer e pegar aquela escadinha. Uma escada que tem ali, sabe? Ou então ir a pé aqui pela Praça Roosevelt.

_ Mas não passa nem ali no terminal?

Não. Pior que não. É assim como eu disse pra senhora.

Antes das dez e já de volta da consulta na Santa Casa, a mulher pragueja:

_ E com um frio desses... Você vê. Esse menino vai acabar ficando com gripe, além de tudo. Mas vou esperar, você me fala quando vier esse que vai mais perto?

A hora que passar vou pegar também.

_ Tá jóia, minha filha.

Uma outra mulher se aproxima e pergunta sobre o laranja que vai para a Raposo.

Já vem vindo. Esse passa bastante - digo.

No todo dia de cada dia, há uns momentos de enjôo e outros de quase mergulho nas realidades que se aproximam involuntariamente. Chego a vislumbrar o retrato da casa que a passageira descreve, enquanto a compara à do seu trabalho.

_ Meu patrão é muito organizado, mas aquela menina me tira do sério.

_ Você devia se aposentar.

_ Eu não, imagina. Eu preciso viajar muito ainda, menina - fala para a amiga com quem divide o assento.

_ Ele me paga mais do que na carteira, sabe? Eu agora vou pra Bahia ver minha família e já paguei tudo. Inclusive minha cachorra, que eu queria levar também, não ia poder ir, mas eu já dei um jeito. Sabe quanto que queriam na empresa que aceita levar animais? 300 reais. Aí não teve jeito. Tive que contratar uma moça que é minha vizinha, pra ficar lá em casa enquanto eu tô fora. Eu vou pagar 200 pra ela, mas pelo menos a Xuxa não vai sofrer. Acho um absurdo o jeito que eles levam os coitadinhos. Você acredita que a outra filha do patrão, aquela que casou e foi morar no Canadá, pra mandar o gato de avião gastou mais que a passagem dela e ainda o bicho ficou traumatizado? E agora tá gastando uma nota em tratamento.

_ Mas a sua cachorra já conhece a tal moça?

_ Ah, ela foi lá em casa umas três vezes, já. Pra Xuxa ir se acostumando.

Opa, quando essas duas descem é porque tá chegando.

Já fico esperta.

A grandona tropeça e quase cai. O ônibus freia.

_ Tudo bem aí? – grita o cobrador.

_ Tudo bem, brigada!

_ Você e essas plataformas - diz a senhora baixinha. Eu não tenho força pra te segurar, não. Toma cuidado, minha filha! Isso ainda te quebra uma perna!

Já é quase o Pão de Açúcar e dá tempo de tomar um café. Oito minutos.

A moça que desce comigo no ponto seguinte está adiantada e desce também no Pão. Não acompanho seu rumo, vou direto até a prateleira de Todinhos quente.

Passo rapidamente pelas frutas e admiro-as. Olho de soslaio para as tortas na geladeira... Se tivesse um microondas no escritório levava uma daquelas de frango com azeitonas.

Rapidamente confiro os preços dos utensílios de cozinha e vou num pé só à cafeteria.

Um real de pão de queijo e um Todinho/Nescau/Genérico da casa/O que estiver mais barato.

Enquanto espero olho para os três minutos que me restam e começo a ficar certa de que mais uma vez chegarei mais de três minutos atrasada.

É uma média boa. E não adianta pirar. Amanhã vai ser tudo outra vez.

Saio pelo caminho mais curto, chupando leite com chocolate e tentando não pensar naquilo que vou fazer durante o dia inteiro. Fico sonhando que são sete da noite e preciso de planos para o meu tempo livre.

5 comentários:

Elizabeth Boas disse...

Dá vontade de chorar...

Mariana Esteves disse...

Conversas no ponto de ônibus... Adoro isso!
Era pegar o mesmo texto e só mudar a palavra ônibus por trem!

Cláudia disse...

é mari, corriqueiras ou não acho que a gente tem que escrever... tudo é verso!

Mariana Esteves disse...

Também acho Cláudia! Essa é a mágica da escrita.
Acredito que crônicas, como a sua, transformam o cotidiano em arte, literatura.

Unknown disse...

claudinha... passei por aqui ler seus textos! adorei... de novo....
mil beijos