segunda-feira, 9 de novembro de 2009

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Agora a paz

Sentada numa ponta de praia em algum lugar da América do Sul observo o mar como se já não o visse
Tanta calmaria com cores tão vivas não deve existir além dos olhos ou da memória
Não há como crer que estou ali, corpo presente, alma também
Só há que se pensar que um dia não estarei mais
Em algum tempo tudo será um retrato, uma lembrança, uma história que se desgasta ao ser contada
Em qualquer tempo ainda será possível fechar os olhos e me imaginar ali
Mas estar, ao vivo, com todos os sentidos tocados por aquele momento, só nele mesmo
E que agora enquanto escrevo já passou

Sentada na ponta daquela praia me apeguei ao presente
Como viver o presente ao contemplar tudo aquilo?
Como não se prostrar a sugar tudo apenas, mas também estar ali só por estar?
Como em qualquer banho, almoço, caminhada, choro
Como em qualquer dia, estava eu ali, dessa vez naquela ponta de praia em que as cores são mais vivas e o sol nos encara direto
Pensei que só naquele momento a areia roçava os pés do menino que corria pela praia
Que só então aquele vento agitava os coqueiros, e só aquela onda era ela e capaz de brilhar ao sol com aquele desenho
Pensei que talvez fosse um sopro de Deus o frescor que me batia no rosto, mesmo debaixo de todo aquele sol, de que eu sentia o calor que devia tomar a cada pele com uma intensidade, só ali, só naquele agora
A menina cambaleia na areia despreocupada e ri de si
O cachorro se sacode espalhando gotas que voam pelo ar, só enquanto podem
A bola se choca contra a raquete e o sol se move devagar

o mar se divide em dois azuis
E meus olhos vêem tudo, tudo

sexta-feira, 17 de julho de 2009

E ae?

Eta vida besta, meu Deus!
Sou nada e já sou cheia de vontades...
Sou anônima e adoraria ver meu nome estampado em publicações...
Me espalho em cantigas de roda e me encolho em festas privê.
Não sou nada, sou só eu.
Viajante e persistente.
Chata, a mais insuportável ou a mais legal.
Os comentários são fugidios e a vida também.
Como é que a gente faz?
Faz de conta que não é nada disso e vai vivendo.
Na pior das hipóteses é só um mal entendido.

sexta-feira, 20 de março de 2009

De noite

Os minutos somam-se alucinantemente, logo será hora de por fim ao dia. Meu relógio é a televisão. Quando chego há o Jornal Nacional. Começa a novela das oito e a noite já parece mais madura. O fim da novela é uma definição: o que vai ser feito do tempo que resta? Um banho, uma comida, uma bebida, quase sempre há uma bebida. Como estará o ânimo? Será que chegamos à uma hora do próximo dia? Provavelmente à meia-noite o circo se desfará.

Para cada dia há um plano: uma forma de driblar o tempo, ou de conquistá-lo em algum momento e dissipá-lo, ao menos por algum... tempo... É sempre ele, o temido e respeitado tempo. É ele que consulto para saber se devo dormir, acordar, comer, vestir, banhar-me, ler ou escrever. Escrever é só quando bate o desespero, ou a súplica por algo que possa fazer sozinha.

A cobrança é inevitável: se tomo uma cerveja, a quinta ou sexta do dia, ainda bem disposta a continuar a fazê-lo, sinto-me suja, ao menos vagabunda demais para merecer uma cama e uma companhia decente.

Quando me adéquo, chego em casa e parto para o banho, certa de que as coisas serão mais confortáveis no decorrer do que resta do dia, ou da já noite. Tento parecer melhor, bem cuidada, se não penteada e maquiada, ao menos limpa e decente, cheirosa e plausível de consideração. E aí ensaio meus agrados, vou para a cozinha e preparo minhas riquezas, previamente adquiridas, de caso pensado, que pretendem fazer da noite, ou do resto dela, algo mais do que o resto do dia de dois trabalhadores em São Paulo. Amanhã o dia será igual: acordar e seguir sonambulamente para o trabalho, esperar o tempo angariar a alforria e partir para o resto do dia, ou da noite, que é o que sobra para se viver, ou sobreviver.

A cerveja amiga encarrega-se do descarrego. O cansaço sucumbe à falação sobre o dia passado à distância de trinta minutos a pé. O almoço só, a caminhada só, as mazelas da convivência no escritório pautam a conversa durante o descanso.

Sinto necessidade de falar de algumas coisas que me encantam ou desencantam. Falo demais e ouço o que se pode ouvir. Os interesses e o foco podem ser os mesmos, ou não.

Meu resto de dia, ou de noite, começa mais tarde. Minha vida começa mais tarde e abraço o que sobra, a disposição que sobra, a paciência que sobra. Sinto-me por vezes inadequada e desagradável. Sinto-me só. Quero canalizar meu desconsolo mas este acaba me convencendo de que devo seguir para o banho e para a cama, e que isso pode renovar minhas forças para mais um dia. De desejos, de dúvidas, de sono e desconforto, de vontades e desistências. Queria estar só. Só para me sentir abandonada e não irresponsável. Só para chorar de solidão e legitimar meus vícios. Só para não sentir que alguém me observa na decadência do ócio improdutivo, da vida comum que nunca quis ter, na falta de estímulo para fazer qualquer coisa, e de só ficar pensando, sem sequer registrar o que me parece interessante.