segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Almoço de domingo ou a história de um frango qualquer

Domingo bem cedo ela de volta da missa na igreja de São Benedito

De volta da missa, de volta ao terreiro e aos trajes de algodão

O fogão a sublimar a água em suaves vapores

O sol a invadir a barraca trazendo crianças com roupas de domingo



Na rua auto-falantes disputam espaço com modas nostálgicas do sertão

Amores mal feitos e filhos ingratos embalam violas no bar da esquina

O vô pita sossegado no banco de madeira do passeio

Passantes se ajeitam no meio-fio para prosear



Da esquerda e da direita surgem parentes com roupas de domingo

Vindos da feira, da igreja e da roça

Já se ouvem os brados dos compadres

"Casa até o final do ano?" e outros bordões

Criatura! Ela berra com os netos arteiros

Sempre os mesmos, sempre sem nome

Eu já não decoro - se ri mostrando o ouro no dente



Roça a faca, depena o papo

Pisa as asas e corta o pescoço

Não olha com dó, criatura

Assim cê não deixa ele morrer


Mais um franguinho degolado

Prato branco esmaltado, sangue rubro e feito gelatina

Penas molhadas, mais fumaça no caldeirão

Cheiro de pena queimada

Passa na chama do fogão

Três mulheres beliscam o franguinho

Cata, cata! Cata as penugens!



Franguinho depenado parece mais magro



Abre a barriga, tira, tira

Tira a moela, vira ela, lava ela

Corta os pés, corta a cabeça, vai tudo pra panela

Ela não desperdiça nada



Que beleza de frango, amarelinho

Criado na roça, só com milho

Vale o que se paga

Só o caldo já compensa



Corta o milho, tem angu

Mexe bem pra não grudar

Tem pão de queijo, claro

Pimenta, cadê a pimenta?

Bota a caçarola no fogo

Franguinho não pode demorar



A família reunida

O dia desabrocha em causos, risos de tantas gerações

De tarde ela descansa o corpo deitada no banco que veio da fazenda

De lá detrás da serra, onde tudo começou

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A história do galinho feio

O galinho feio nunca vira um espelho.
Ele estava acostumado a ver seus pés, que considerava muito bons e até bonitos. Suas unhas pontudas eram o seu xodó.
Via também a ponta de suas asas, seus ossinhos dobrando-se e as penas escondendo sua pele tão elástica.
Quando admirava o horizonte, costumava apegar-se à lustrosa ponta de seu bico, que ele fingia amolar no topo dos edifícios.
Com algum esforço enxergava as penas bravias de seu peito e, ao vê-las, se achava um galo bonito.
Algumas vezes passava o tempo tentando decorar a seqüência das penas em seu rabo, depois fuçava a terra e tornava a pensar que era um belo galo.
“Ainda serei pomposo, só preciso treinar o andar de cavalheiro. Um dia os carros pararão para que eu atravesse as avenidas”.
Mas aí chegou o inverno e para a reunir a vizinhança alguém teve a idéia de fazer uma sopa de galo novo.
_Galo velho é duro de cozinhar, vamos pegar esse feinho, deve ter um quê de galo e a carne um pouco mais tenra.
_Não bota ovo, não serve pra briga, que vá pra panela. Um caldinho e uma caninha, nesse frio é uma boa.
O galinho feio mal sabia o que o esperava quando acordou naquele dia. Tinha tido um sonho bom: era um lord, com gravata e colarinho. Mas na poça d’água em que matou a sede matutina pareceu ter visto um galinho feio, magro e irregular.
Passou o dia matutando.
Alguma coisa estava errada, devia haver um motivo para aquele sonho. Era feio? Ou era o galinho de seus sonhos?
Subiu o morro, pensativo e lá de cima viu a chaminé acesa. “Hoje vai acontecer um jantar dos bons. Pelo fogo aceso e o batuque deve ser um churrascão.”
Mas acontece que um tumulto no galinheiro denunciava a procura pelo galinho feio. O velho pai escafedeu-se, temendo a morte já tardia. Os pintinhos esparramaram-se escorregando pelos sabugos largados pelo caminho.
O galinho lá em cima do morro incandesceu assim que a lua subiu. Lá de baixo os bêbados gritaram: “O bichinho tá lá em cima! Bora ver quem pega o danado!”
O galinho ficou tão triste ao perceber que todos o queriam para comer no jantar que perdeu suas forças. Poderia estar por ali, quase como um cão, atendendo a pedidos. Experimentaria seu sapateado. Por alguns segundos nem respirou. “Terei que correr? Ou morro já de desgosto para facilitar a sopa?”
"Sopa não serei. No máximo digno-me a ser assassinado em fuga, resistindo a meus algozes. Assim serei célebre entre os meus, seja lá onde estiverem".
Num momento de elucubração o galinho perdeu seus instintos. Já não ouvia nada quando foi surpreendido por um bêbado trançando as pernas no meio do matagal.
O galinho então teve um delírio “posso ser eu o assassino, nada há para se respeitar mais do que um galo que abocanha o pescoço de um homem. Não tenho dentes mas tenho boas unhas, acho que posso fazer um estrago”.
No susto do escuro matagal, o bêbado pisou no galo, que instintivamente lhe agarrou um olho. Com o bico empapado de sangue e as asas grudentas, o galinho feio deitou-se, chorou e dormiu. Sonhou com uma fazenda de milho, onde o chamavam de Totó. O bêbado foi-se, gritando que encontrara um gavião.
Na manhã seguinte o galinho abriu os olhos. Olhando o ceú cinza, pela primeira vez cantou como um galo e, com os olhos firmes no horizonte, pensou: “Vou hoje mesmo embora desta capital, isto está ficando sem sentido.”

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Soneto do Avesso

o Avesso sobe e desce a ladeira
trinta vezes tropeça e não cai
apalpa o chão
engrossa o caldo com paciência
derrama o sol na peneira
extrai um gole de demência
com um tapa na nuca: _ vai!

enxuga, explode e pica a mula
engole e rala a dor barata
mistura, sacode e desidrata
fere à água morna, desinfeta
respira o pó, nele confia

não chora mais, nem esperneia
gargalha a garrafa vazia
entope a vida e devaneia
à rapadura, seu troféu
enquanto dura, adoça o céu
mastiga cão, vomita mel

sábado, 26 de julho de 2008

Sabe, pirei

Imagina que tudo mudou.

Que uma nova pessoa vai nascer, uma nova pessoa que você ama.

Não alguém que você vai conhecer e passar a amar.

Alguém que você ama antes de existir e depois, então, nem se fala.

Nesse momento todas as cores ficam vibrantes e a gente começa a preparar a festa dentro de nós.

Começa a decorar um novo ser, que celebre a chegada do querido.

É hora, sim, de celebrar, de colocar mais um lugar na mesa, de se congratular por uma conquista, uma nova presença, vitalícia...

A vida se multiplica em sonhos e possibilidades, e o amor vai preenchendo os caminhos de sua missão.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Abismo

Equilíbrio na mesa
Equilíbrio nas contas
Muita paciência e terapias holísticas para completar.

Equilíbrio nos relacionamentos
Equilíbrio nas drogas e desejos.
Bom senso é palavra de ordem...

Equilíbrio no trânsito, na multidão e na hora do Jornal Nacional
Em cima do salto
Seguindo a linha
Equilíbrio na ponte...

... Acho que vou me jogar.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Atropelos

- UÓUÓUÓUÓ!

- SILÊNCIO!, gritam seus passos debaixo do viaduto.

- Vruuuuuuuuuuum!, rebate motor após motor, numa arrancada ad infinitum.

- SÓ UM POUCO DE SILÊNCIO, PORRA!, insiste um pé ao empurrar o outro, cada vez mais histéricos, atropelando-se, descompassados da melodia urbana.

- ATCHIMMMMMMMMM!!!!, ignora o corpo, no ritmo da metrópole. - COF, COF, COF, continua, dançando ébrio com o ruído.


Faixa de pedestres.


- BÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ!


- KTAPKCLRXTZ!!!!!!!!!!!!!


(Silêncio).

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Que tal um tema livre?

Parece bom.

Comprei um sobretudo. Lindo. O meu primeiro. Gastei mais do que podia, mas vá, eu nunca compro exatamente o que quero. Desta vez acho que foi.

Será que esses são os chamados pequenos prazeres? Eles são marcantes pra mim. Até porque eu não os tenho sempre. Tive alguns, como aquela bota que todo mundo elogiava. Ela não era chique, longe disso, era de uma loja do calçadão de Bauru. Mas de certa forma ela era muito boa mesmo, muito. Era a minha cara. Por isso que eu paguei uma grana alta por ela. Digo, alta para o calçadão.

Desta vez comprei o sobretudo na 24 de Maio, no centro da cidade. Foi paixão à primeira vista. Romântico. Uma roupa que traduz meu conceito de roupa: clássica, feminina e ligeiramente desagradável às lentes da normalidade.

Fico me imaginando naqueles ateliês de Paris... Eu adoraria experimentar aquelas roupas que precisam de um corpo bem magro, mas que consertam qualquer gordinha com sua delicadeza de moldes. Peito, cintura e uma barra esvoaçante. Todo mundo fica bonito assim, não? Acho que esse meu gosto é parecido com o que tenho por pimenta. Há algo mais perfeito?

A pimenta bem combinada é o bálsamo da alma.

É praticamente a vida toda numa colherada.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Nesta data querida

Esse é um dia especialmente detestável, no qual a felicidade ou a tristeza não fará diferença. Talvez a sua ausência seja a solução, pois pequena carga de sentimento torna o ar pesado, o relógio mais lento, a respiração barulhenta e a televisão tediosa.

Não me lembro de um aniversário feliz. Confesso que tento resgatar a lembrança da festa perfeita, mas por não haver coisas perfeitas, a lembrança sempre vem acompanhada de algum incidente ou de tédio. Não, lembro de um ou outro, mas faz muito tempo, que só restou um flash na memória que insiste em se esconder atrás de vergonhas insignificantes. Enfim, a aproximação foi rápida e finalmente aqui estou. Ontem foi um bom dia, mas hoje existe a obrigação de um dia feliz... mais um ano, nem motivos para bebemorar.

- Meu Deus! Hoje eu estou terrível! Mais pessimista do que nunca!

Nem foi preciso sair da cama, para tomar conhecimento do que me esperava.

Mas uma gata negra linda se aproxima, sem ao menos suspeitar, que de acordo com as normas sociais humanas, ela devia chegar gritando Parabéns!, me cobrir de beijos e dizer que já estou ficando mais velha.

Graças a grande evolução de outras espécies animais e à sua sensibilidade natural, é ela quem vem anunciar que um novo dia chegou, com sua calma e ronronar característicos de sempre. É bom saber, que apesar de nada, as melhores coisas continuam em seus devidos lugares, eu, minha cama e o ronronar.

- Bom Dia!

Na selva de pedra, as paredes já se acostumaram a responder aos seus inquilinos solitários.

Quatro ligações perdidas, celular no modo vibratório.

- Oi mãe.... Valeu... Eu sei... Mais tarde eu vou pra aí....Não, não quero festa... Ta bom, mas só um bolinho... Só a gente então... Não quero fazer festa!

Detesto social. Ainda mais com um monte de parente que só querem saber o que você anda aprontando, quando vai se casar e trazer mais uma criança pra família.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Pelo azulão (Imirim-Pinheiros)

Eu tenho mãos com unhas vermelhas e os pés enfiados em havaianas pretas. Lá fora deve fazer uns 11 graus. O céu está alaranjado como em tantas noites. Na TV risadas que há pouco me entretiam.

Frio.

É como se trava uma conversa no ponto de ônibus.

_ Eu que o diga, quando saí de casa tava era congelando. Essa chuvinha mata. Você sabe se aqui passa algum que passa na Nove de Julho? - diz a mulher que cerca por todos os lados um menino com curativo sobre o olho esquerdo.

Aqui não. Pra ir até a Nove de Julho tem quer ser a pé. Mas dá pra pegar um que passa ali na Rui Barbosa, aí é só descer e pegar aquela escadinha. Uma escada que tem ali, sabe? Ou então ir a pé aqui pela Praça Roosevelt.

_ Mas não passa nem ali no terminal?

Não. Pior que não. É assim como eu disse pra senhora.

Antes das dez e já de volta da consulta na Santa Casa, a mulher pragueja:

_ E com um frio desses... Você vê. Esse menino vai acabar ficando com gripe, além de tudo. Mas vou esperar, você me fala quando vier esse que vai mais perto?

A hora que passar vou pegar também.

_ Tá jóia, minha filha.

Uma outra mulher se aproxima e pergunta sobre o laranja que vai para a Raposo.

Já vem vindo. Esse passa bastante - digo.

No todo dia de cada dia, há uns momentos de enjôo e outros de quase mergulho nas realidades que se aproximam involuntariamente. Chego a vislumbrar o retrato da casa que a passageira descreve, enquanto a compara à do seu trabalho.

_ Meu patrão é muito organizado, mas aquela menina me tira do sério.

_ Você devia se aposentar.

_ Eu não, imagina. Eu preciso viajar muito ainda, menina - fala para a amiga com quem divide o assento.

_ Ele me paga mais do que na carteira, sabe? Eu agora vou pra Bahia ver minha família e já paguei tudo. Inclusive minha cachorra, que eu queria levar também, não ia poder ir, mas eu já dei um jeito. Sabe quanto que queriam na empresa que aceita levar animais? 300 reais. Aí não teve jeito. Tive que contratar uma moça que é minha vizinha, pra ficar lá em casa enquanto eu tô fora. Eu vou pagar 200 pra ela, mas pelo menos a Xuxa não vai sofrer. Acho um absurdo o jeito que eles levam os coitadinhos. Você acredita que a outra filha do patrão, aquela que casou e foi morar no Canadá, pra mandar o gato de avião gastou mais que a passagem dela e ainda o bicho ficou traumatizado? E agora tá gastando uma nota em tratamento.

_ Mas a sua cachorra já conhece a tal moça?

_ Ah, ela foi lá em casa umas três vezes, já. Pra Xuxa ir se acostumando.

Opa, quando essas duas descem é porque tá chegando.

Já fico esperta.

A grandona tropeça e quase cai. O ônibus freia.

_ Tudo bem aí? – grita o cobrador.

_ Tudo bem, brigada!

_ Você e essas plataformas - diz a senhora baixinha. Eu não tenho força pra te segurar, não. Toma cuidado, minha filha! Isso ainda te quebra uma perna!

Já é quase o Pão de Açúcar e dá tempo de tomar um café. Oito minutos.

A moça que desce comigo no ponto seguinte está adiantada e desce também no Pão. Não acompanho seu rumo, vou direto até a prateleira de Todinhos quente.

Passo rapidamente pelas frutas e admiro-as. Olho de soslaio para as tortas na geladeira... Se tivesse um microondas no escritório levava uma daquelas de frango com azeitonas.

Rapidamente confiro os preços dos utensílios de cozinha e vou num pé só à cafeteria.

Um real de pão de queijo e um Todinho/Nescau/Genérico da casa/O que estiver mais barato.

Enquanto espero olho para os três minutos que me restam e começo a ficar certa de que mais uma vez chegarei mais de três minutos atrasada.

É uma média boa. E não adianta pirar. Amanhã vai ser tudo outra vez.

Saio pelo caminho mais curto, chupando leite com chocolate e tentando não pensar naquilo que vou fazer durante o dia inteiro. Fico sonhando que são sete da noite e preciso de planos para o meu tempo livre.

Uma pílula para um dia frio

Prefiro os dias de sol, quando a claridade me desperta, com a luz atravessando a cortina e o amanhecer me chamando a contemplar o céu.

Me levanto, pés descalços, abro a janela e me espreguiço. Após um banho com água morna desperto completamente para aproveitar o que há de bom lá fora.

Otimismo combina com manhãs de sol, sem nuvens e um pouco de brisa.

O bom dia e o beijo da pessoa que se ama, a previsão do tempo na televisão, uma caminhada, o café da manhã na padaria e o cachorro do vizinho latindo, compõem o cenário.

Para o quadro ser perfeito, só falta a moldura ser o domingo com feriado na segunda-feira.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Sexta

Dia de dar adeus a quase tudo, ao menos por enquanto.
Dia de pegar o rumo de casa feliz, pensando que a noite não tem hora pra acabar - mesmo sabendo que a canseira da semana inteira não vai te deixar de pé por muito tempo.
Pela janela vejo os mesmos prédios, mas na sexta eles parecem até frondosos. A essa hora o sol já tem um semblante diferente. Parece estar de chinelos, passeando pela calçada com o jornal embaixo do braço, procurando um parceiro pra jogar conversa fora antes de ir embora de vez.
Já eu, vou pra casa saltitante, flutuando entre as buzinas. Hoje é sexta-feira, gente, sorria.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Curtas elucubrações

"A onda da noite atropela o dia.
E na escuridão tudo se embola.
O padeiro ainda faz pães para o café da manhã.
O restaurante serve jantar, almoço e café. Da manhã ou do hábito.
Sabe Deus onde anda a manhã de cada um.
A noite dá à luz a manhã.
A primeira fumaça do dia atinge de raspão.
E quanta mais há por aí? Que medo...
Atraso?
O mundo às vezes conspira... Não se sabe a favor de quem.
Gente, gente. Rua, fumaça, barulho, carro. Gente, gente. Mendigo, doença, lixo, ônibus. Gente. Árvores, postes e gente. Prédios, prédios, gente e... eu."

>Noite de autógrafos na TV.
O trecho acima é citado.
_Você acha que algumas pessoas podem tomar esses versos como ofensas?
_Eu acho que é ponto de vista. Eu não sou retrato. O que eu quero ser é idéia
Uma apenas. Se ela já existe, paciência. Sou corriqueira mesmo.
Mas ando tão egocêntrica que queria gravar tudo que penso.
Isso deve ser a efervescência da meia-idade.

>Coluna social.
"Uma nova quem?"
_Não estou processando direito, só sei que não sei de nada. Não poderia dizer se as críticas foram mais dolorosas que os elogios.
Autora reclama em lançamento de livro em São Paulo.

Opa, São Paulo é aqui.
E eu estou aqui.
Sozinha em casa, pensando.
Nossa, e como o pensamento é poderoso.
Ainda mais que anda se achando digital. Atualiza a qualidade da imagem, os cenários, e viaja.
Pensando bem, ser humano é bom.
Conformismo?
Hoje li uma coisa que pode parecer óbvia para quem é da moda:
"A roupa tem que despertar o desejo das pessoas".
Digamos que desejo não é aí uma vontadezinha de comprar a roupa. É desejo mesmo, como o de beijar uma pessoa que você sabe que nunca mais verá, mas de quem quer poder levar alguma coisa, pra não se sentir tão incompleta por culpa dela. Culpa dela não. Mas pode ser.
Você tem que querer comprar porque te parece algo irresistível, como se vestir aquilo te mandasse para a cena de um clássico, linda, e você mesma iria se olhar e dizer: "Se eu não fosse você, faria tudo o que você quisesse, porque você é adorável!"
É claro que é exagero, mas é que algumas pessoas me vêem bem assim. Só que sem comprar roupa nenhuma. Eu não sei se fico feliz.
É narcisismo. Deve ser.
A minha fantasia é mesmo muito otimista. Eu sou minha palhaça particular. Me experimento, invento e atuo pra minha avaliação. Sou minha própria platéia, que me encoraja com aplausos e me obriga a continuar...
Assim o pensamento voa e, pra variar, pensando bem, acho que quero ser alguma coisa.

Um cão roendo o tempo

Um osso, desses que passam despercebidos pela gente, insignificante, lá, emaranhado em seus nervos. Quando trinca, te grita, um osso, mais precisamente um úmero – é, esse fêmur que carrega nosso braço - é capaz de transfigurar expressões serenas, interromper movimentos e impulsionar mudanças de endereço.

Quebra-se abruptamente a rotina e o relógio, que a essa hora, indica o início do treino na academia, não espera por você, esfolada na calçada, ansiosa pelas nove da noite, quando sabe, toda essa dor terá ido embora e, certamente, poderá dormir.

Sem a flexão, extensão, adução, abdução, rotação e outras limitações do braço identificadas pela Wikipédia, não se pode trabalhar. “De tipóia não entra!”, eles explicam. De manga pendurada, vai pruma sopa quente de feijão, feita a duzentos quilômetros da capital, com sabor inigualável de infância.

Um osso, um úmero, uma fratura estão fisiologicamente ligados ao tempo. Só isso justifica o encontro fortuito com Glauber Rocha numa sessão de cinema às três da tarde; o pôr-do-sol, numa cidade vizinha, na companhia de uma amiga; leituras e sonos bem-vindos sempre que o corpo quiser. São rupturas graves, avessas a qualquer sessão de fisioterapia.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Noite de Núpcias

No apartamento, ela retira o vestido empoeirado de noiva, guardado desde os tempos em que projetava o futuro herdado dos pais nas brincadeiras de cozinha com as colegas de infância. Tasca um batom vermelho na boca, e a pele morena realça ainda mais o branco.

Um branco...

Mata o que sobrou do whisky da noite anterior e procura a porta daquele apartamento. Se enrosca numa gravata e rouba o paletó amarrotado para enfrentar a neve de anos. Com a boca pastosa por mais alguns goles, não encontra a porra da chave em lugar algum. Apalpa o corpo gelado e rígido de um homem no chão, sente o volume do molho no bolso da calça e sai. Relutante em frente ao corredor, volta. Abre o armário, pega um cobertor velho e separa o cadáver do piso frio.

Sentada no colo de um gordo siciliano, ela pede mais uma garrafa de vinho. Gira a cabeça pelo bar, entediada com aquela língua percorrendo seu corpo, e vê de longe um rosto familiar. Era o puto de um tio, que vem em sua direção, esquecido do passado, agarrando-a pela bunda. Ela empurra o sujeito com asco e pergunta num italiano arrastado de onde vinha. “Brasil”. Numa decisão rápida, pega-o pelo braço, chama um táxi e, enquanto é mordida por aquelas mãos nervosas, olha atentamente, resgatando dos detalhes do rosto daquele homem uma parte da sua história.

No apartamento, ela retira o vestido empoeirado de noiva, guardado desde os tempos em que projetava o futuro herdado dos pais nas brincadeiras de cozinha com as colegas de infância. Tasca um batom vermelho na boca, e a pele morena realça ainda mais o branco.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Mais um pouco do caos...

Dizem que muitas vezes, a vida nos deixa insensíveis. Eu acrescento, que grandes cidades aceleram esse processo. Como um vacina que cria anticorpos, assim a cidade vai agindo sobre nós, criando defesas no coração que nos permitem ignorar a pobreza, o feio, a doença.

Todos os dias enfrento o trânsito, o trem, metrô, a poluição disfarçada de neblina e ao observa a paisagem, reencontro conhecidos moradores de ruas e pedintes das mais várias idades.

Reconheço o choque e a tristeza que abala visitantes ao encarar a cidades de São Paulo, com suas ruas lotadas de pessoas e mau cheiro.

Eu digo que reconheço, porque tive esse sentimento diversas vezes após me mudar para São Paulo, ajudando até mesmo com esmolas muitas vezes (coisa que eu sempre recriminei), a cada criança ou mãe dizendo em palavras ensaiadas que faltava leite e pão em casa.

Com o passar dos dias, já percebo que meu coração está calejado, conseguindo encarar uma viagem de retorno para casa de trem, ou parar com o carro em um semáforo, sem me sentir culpada por não tirar as moedas da bolsa.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Fechamento

Carpete azul no chão. Persianas de plástico bloqueando a entrada de sol. Tela do computador ofuscando a vista. Quinta-feira, 16h, fechamento de revista. Cara contemplativa, olhos grudados na parede à diagonal da onde estou, inerte. Várias imagens na cabeça e nada. 2 minutos, 3 minutos. Sobra tempo para o sentimento atual de nada. Esquisito, nada. O sentimento pode até vir da cabeça, mas o coração é quem sente. O meu tá apertado, sabe? Às vezes até me interrompe o ar. E eu continuo com essa cara de trouxa, a única a não ser informada sobre nada. O q tá acontecendo, caralho? Vc já teve vontade de desaparecer? Pois eu tenho, todo dia. São Paulo é um lixo esnobe burguês. Se conseguir fugir daqui, nunca mais volto! Não volto pra lugar nenhum. ESCUTOU BAURU? Não volto! Não volto! Amor? Sei...
- ADRIAAAAAANA!
- Oi, oi!


quarta-feira, 28 de maio de 2008

Deixa, vai...

Deixa-me ser louca.
Andei pensando...
Se o sol lá fora estala e eu aqui me encolho à sua sobra, se faço ou desfaço a cara de culpa, se cuspo sangue ou cheiro a álcool, se sinto amor ou desamor, tanto faz...
Até o dia que for o último, e talvez eu não o saiba, até lá todos os outros serão apenas pastagem para chegar a ele.
Como da embriaguez fica a ressaca, como na hora da fome as lembranças não alimentam, como tudo parece correr sobre os trilhos que levam ao fim, deixa-me ser louca...
Deixa-me ser borboleta... ou bicicleta... ou chuva... deixa-me ser alguma coisa diferente do que sou...

terça-feira, 27 de maio de 2008

A realidade do amor?

Eu fiz um poema pra você... ...Eu fiz um poema... pra você... Fiz um poema... um-po-e-ma... Quer ouvir? Foi na viagem... Posso falar? Não, eu me lembro... Eu só fiz na cabeça... É assim: "Vejo teus olhos sorrindo, velando meus sonhos que sonham você... teu bom sorriso estrelado..." Sorriso estrelado? É..." teu bom sorriso estrelado na alma calada, destoa..." ... "Luz de água doce", acho... "Luz de água doce, pés de namorado, às vezes te trago, me entorpeço e sigo caminhando." E então? Você... entendeu? Entendi... eu não sou burro... Eu entendi... Fumaça, choro, voltas no ar... Ainda bem que havia espaço... Alguém agarra alguém. É preciso segurar o outro, é preciso ter certeza e razão, é preciso voltar à realidade, mas, é ela ali. Minam as lágrimas receosas e as loucas... Que tal numa noite de vários sorrisos? Que tal uma cartada final? Eu te amo... todo dia, todo dia penso em você... Eu te amo, mesmo... Perplexidade... Chama pelo meu nome com desespero... É loucura, é desvario... As horas se derramam... História... Anos revistos... Dor, desânimo... O filme parece chegar ao fim e o sonho vira um conto fantasioso... Ele passa a existir, tem um fim ou um começo, não sei. As lágrimas lavam tudo... Aperta-me contra o peito... Você, você... Não sei... O choro aos poucos se dissipa ... Vou ao banheiro... É, quando voltar tudo será como antes... E volta. Apagam-se as luzes da novidade. Atrás dos muros a cidade ainda está como a deixamos. Um parque de diversão... Música... Pessoas... Necessidades. Comer, dormir, fugir, amar, sobreviver... Um cigarro... Cada um segue seu rumo. Meu coração me deixa pra trás.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Entretranse


Como se tudo parecesse estar em câmera lenta, de repente começo a olhar para os lados e ver que a cidade é um caos perfeito. Não há refúgio silencioso ou limpo de toda a irritação das ruas, do trânsito, da pobreza, da correria, da futilidade. Não há substituto para as noites de calor passadas na calçada, sentindo o cheiro da janta em todas as casas da rua. Não há as torneiras abertas regando as plantas do jardim no fim do dia. Não há os pés descalços na ida à padaria. Ao menos para mim não há. E aí começa a inquietação. Até quando vai durar minha paciência? Até quando vou viver engessada numa vida que não me agrada? Sei que a minha inércia piora todo o quadro, sei que as reclamações só corroboram o clima de poluição de idéias, de sonhos e sentimentos.
Antes que o mundo me engula, preciso saber a que vim, por quê ou por quem vim, e espero estar entre os cotados para a resposta. Ainda me lembro de como imaginava esta cidade na infância. Pensava em pessoas morando em casas minúsculas, em beliches na periferia, imaginava prédios gigantescos e estruturas metálicas de enormes construções. Talvez essa ainda seja a minha visão. No começo impressionavam-me as belezas e luxos, o cenário dos telejornais que se estendiam à minha frente. Hoje todas essas imagens estão borradas, cansadas e desbotadas. O barulho se torna cada vez mais ardido e permanente. Queria poder mergulhar, sentir-me imersa em algo, numa gelatina de silêncio.