sexta-feira, 20 de março de 2009

De noite

Os minutos somam-se alucinantemente, logo será hora de por fim ao dia. Meu relógio é a televisão. Quando chego há o Jornal Nacional. Começa a novela das oito e a noite já parece mais madura. O fim da novela é uma definição: o que vai ser feito do tempo que resta? Um banho, uma comida, uma bebida, quase sempre há uma bebida. Como estará o ânimo? Será que chegamos à uma hora do próximo dia? Provavelmente à meia-noite o circo se desfará.

Para cada dia há um plano: uma forma de driblar o tempo, ou de conquistá-lo em algum momento e dissipá-lo, ao menos por algum... tempo... É sempre ele, o temido e respeitado tempo. É ele que consulto para saber se devo dormir, acordar, comer, vestir, banhar-me, ler ou escrever. Escrever é só quando bate o desespero, ou a súplica por algo que possa fazer sozinha.

A cobrança é inevitável: se tomo uma cerveja, a quinta ou sexta do dia, ainda bem disposta a continuar a fazê-lo, sinto-me suja, ao menos vagabunda demais para merecer uma cama e uma companhia decente.

Quando me adéquo, chego em casa e parto para o banho, certa de que as coisas serão mais confortáveis no decorrer do que resta do dia, ou da já noite. Tento parecer melhor, bem cuidada, se não penteada e maquiada, ao menos limpa e decente, cheirosa e plausível de consideração. E aí ensaio meus agrados, vou para a cozinha e preparo minhas riquezas, previamente adquiridas, de caso pensado, que pretendem fazer da noite, ou do resto dela, algo mais do que o resto do dia de dois trabalhadores em São Paulo. Amanhã o dia será igual: acordar e seguir sonambulamente para o trabalho, esperar o tempo angariar a alforria e partir para o resto do dia, ou da noite, que é o que sobra para se viver, ou sobreviver.

A cerveja amiga encarrega-se do descarrego. O cansaço sucumbe à falação sobre o dia passado à distância de trinta minutos a pé. O almoço só, a caminhada só, as mazelas da convivência no escritório pautam a conversa durante o descanso.

Sinto necessidade de falar de algumas coisas que me encantam ou desencantam. Falo demais e ouço o que se pode ouvir. Os interesses e o foco podem ser os mesmos, ou não.

Meu resto de dia, ou de noite, começa mais tarde. Minha vida começa mais tarde e abraço o que sobra, a disposição que sobra, a paciência que sobra. Sinto-me por vezes inadequada e desagradável. Sinto-me só. Quero canalizar meu desconsolo mas este acaba me convencendo de que devo seguir para o banho e para a cama, e que isso pode renovar minhas forças para mais um dia. De desejos, de dúvidas, de sono e desconforto, de vontades e desistências. Queria estar só. Só para me sentir abandonada e não irresponsável. Só para chorar de solidão e legitimar meus vícios. Só para não sentir que alguém me observa na decadência do ócio improdutivo, da vida comum que nunca quis ter, na falta de estímulo para fazer qualquer coisa, e de só ficar pensando, sem sequer registrar o que me parece interessante.