segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Almoço de domingo ou a história de um frango qualquer

Domingo bem cedo ela de volta da missa na igreja de São Benedito

De volta da missa, de volta ao terreiro e aos trajes de algodão

O fogão a sublimar a água em suaves vapores

O sol a invadir a barraca trazendo crianças com roupas de domingo



Na rua auto-falantes disputam espaço com modas nostálgicas do sertão

Amores mal feitos e filhos ingratos embalam violas no bar da esquina

O vô pita sossegado no banco de madeira do passeio

Passantes se ajeitam no meio-fio para prosear



Da esquerda e da direita surgem parentes com roupas de domingo

Vindos da feira, da igreja e da roça

Já se ouvem os brados dos compadres

"Casa até o final do ano?" e outros bordões

Criatura! Ela berra com os netos arteiros

Sempre os mesmos, sempre sem nome

Eu já não decoro - se ri mostrando o ouro no dente



Roça a faca, depena o papo

Pisa as asas e corta o pescoço

Não olha com dó, criatura

Assim cê não deixa ele morrer


Mais um franguinho degolado

Prato branco esmaltado, sangue rubro e feito gelatina

Penas molhadas, mais fumaça no caldeirão

Cheiro de pena queimada

Passa na chama do fogão

Três mulheres beliscam o franguinho

Cata, cata! Cata as penugens!



Franguinho depenado parece mais magro



Abre a barriga, tira, tira

Tira a moela, vira ela, lava ela

Corta os pés, corta a cabeça, vai tudo pra panela

Ela não desperdiça nada



Que beleza de frango, amarelinho

Criado na roça, só com milho

Vale o que se paga

Só o caldo já compensa



Corta o milho, tem angu

Mexe bem pra não grudar

Tem pão de queijo, claro

Pimenta, cadê a pimenta?

Bota a caçarola no fogo

Franguinho não pode demorar



A família reunida

O dia desabrocha em causos, risos de tantas gerações

De tarde ela descansa o corpo deitada no banco que veio da fazenda

De lá detrás da serra, onde tudo começou

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A história do galinho feio

O galinho feio nunca vira um espelho.
Ele estava acostumado a ver seus pés, que considerava muito bons e até bonitos. Suas unhas pontudas eram o seu xodó.
Via também a ponta de suas asas, seus ossinhos dobrando-se e as penas escondendo sua pele tão elástica.
Quando admirava o horizonte, costumava apegar-se à lustrosa ponta de seu bico, que ele fingia amolar no topo dos edifícios.
Com algum esforço enxergava as penas bravias de seu peito e, ao vê-las, se achava um galo bonito.
Algumas vezes passava o tempo tentando decorar a seqüência das penas em seu rabo, depois fuçava a terra e tornava a pensar que era um belo galo.
“Ainda serei pomposo, só preciso treinar o andar de cavalheiro. Um dia os carros pararão para que eu atravesse as avenidas”.
Mas aí chegou o inverno e para a reunir a vizinhança alguém teve a idéia de fazer uma sopa de galo novo.
_Galo velho é duro de cozinhar, vamos pegar esse feinho, deve ter um quê de galo e a carne um pouco mais tenra.
_Não bota ovo, não serve pra briga, que vá pra panela. Um caldinho e uma caninha, nesse frio é uma boa.
O galinho feio mal sabia o que o esperava quando acordou naquele dia. Tinha tido um sonho bom: era um lord, com gravata e colarinho. Mas na poça d’água em que matou a sede matutina pareceu ter visto um galinho feio, magro e irregular.
Passou o dia matutando.
Alguma coisa estava errada, devia haver um motivo para aquele sonho. Era feio? Ou era o galinho de seus sonhos?
Subiu o morro, pensativo e lá de cima viu a chaminé acesa. “Hoje vai acontecer um jantar dos bons. Pelo fogo aceso e o batuque deve ser um churrascão.”
Mas acontece que um tumulto no galinheiro denunciava a procura pelo galinho feio. O velho pai escafedeu-se, temendo a morte já tardia. Os pintinhos esparramaram-se escorregando pelos sabugos largados pelo caminho.
O galinho lá em cima do morro incandesceu assim que a lua subiu. Lá de baixo os bêbados gritaram: “O bichinho tá lá em cima! Bora ver quem pega o danado!”
O galinho ficou tão triste ao perceber que todos o queriam para comer no jantar que perdeu suas forças. Poderia estar por ali, quase como um cão, atendendo a pedidos. Experimentaria seu sapateado. Por alguns segundos nem respirou. “Terei que correr? Ou morro já de desgosto para facilitar a sopa?”
"Sopa não serei. No máximo digno-me a ser assassinado em fuga, resistindo a meus algozes. Assim serei célebre entre os meus, seja lá onde estiverem".
Num momento de elucubração o galinho perdeu seus instintos. Já não ouvia nada quando foi surpreendido por um bêbado trançando as pernas no meio do matagal.
O galinho então teve um delírio “posso ser eu o assassino, nada há para se respeitar mais do que um galo que abocanha o pescoço de um homem. Não tenho dentes mas tenho boas unhas, acho que posso fazer um estrago”.
No susto do escuro matagal, o bêbado pisou no galo, que instintivamente lhe agarrou um olho. Com o bico empapado de sangue e as asas grudentas, o galinho feio deitou-se, chorou e dormiu. Sonhou com uma fazenda de milho, onde o chamavam de Totó. O bêbado foi-se, gritando que encontrara um gavião.
Na manhã seguinte o galinho abriu os olhos. Olhando o ceú cinza, pela primeira vez cantou como um galo e, com os olhos firmes no horizonte, pensou: “Vou hoje mesmo embora desta capital, isto está ficando sem sentido.”