quinta-feira, 19 de junho de 2008

Um cão roendo o tempo

Um osso, desses que passam despercebidos pela gente, insignificante, lá, emaranhado em seus nervos. Quando trinca, te grita, um osso, mais precisamente um úmero – é, esse fêmur que carrega nosso braço - é capaz de transfigurar expressões serenas, interromper movimentos e impulsionar mudanças de endereço.

Quebra-se abruptamente a rotina e o relógio, que a essa hora, indica o início do treino na academia, não espera por você, esfolada na calçada, ansiosa pelas nove da noite, quando sabe, toda essa dor terá ido embora e, certamente, poderá dormir.

Sem a flexão, extensão, adução, abdução, rotação e outras limitações do braço identificadas pela Wikipédia, não se pode trabalhar. “De tipóia não entra!”, eles explicam. De manga pendurada, vai pruma sopa quente de feijão, feita a duzentos quilômetros da capital, com sabor inigualável de infância.

Um osso, um úmero, uma fratura estão fisiologicamente ligados ao tempo. Só isso justifica o encontro fortuito com Glauber Rocha numa sessão de cinema às três da tarde; o pôr-do-sol, numa cidade vizinha, na companhia de uma amiga; leituras e sonos bem-vindos sempre que o corpo quiser. São rupturas graves, avessas a qualquer sessão de fisioterapia.

2 comentários:

Cláudia disse...

Você apavora. Em dois sentidos.
Fico muito feliz.

Cláudia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.